Uma amiga falava de algo pudesse lhe escapar' na leitura de um poema, como se desculpando também pedisse uma orientação. Deu em mim vontade de encaminhar esta direção para a leitura do poema ‘2 SEGUNDOS DIANTE DO ESPELHO. Depois de responder àquela amiga, resolvi compartilhar aqui...
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Por 2 nano segundos dilatados na medida do tempo da leitura, na frente do espelho o leitor se encontra, o espelho é o poema. Refletido barbado, a imagem é a do eu-lírico que fala enquanto percebe a indecisão do leitor-personagem em se dispor da 'máscara' que reveste seu rosto já por 2 anos. O tempo é relativo, quanto tempo é necessário para que a gente se acostume com a aparência ensaiada com a qual nos apresentamos? Desfeito o 'disfarce', barba feita, o narrador preso no espelho se vale das vozes de F. Pessoa e Cecilia Meireles num abuso escancarado de licença poética quando chega a citar, alternando efeitos nos versos conhecidos deles, e de um e outro, para encontrar na companhia deles a coragem de seguir feito sombra, e se depreende na companha o leitor...
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2 SEGUNDOS NA FRENTE DO ESPELHO
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Depois de 2 anos tirou a barba,
como pode fazer isso comigo?
Eu que pensava de fato ser ele
revestido de sua aparência real
confortavelmente não sentindo
nada que doesse ou alegrasse.
E piscando com atraso de nano
segundos ao que de nós dois é
já conhecido,
o sorriso coberto por aquela capa
de pelos espessa permaneceu.
Tirou
a barba,
depois
de 2 anos.
O
gesto, anterior às palavras,
na mão a lâmina era um aviso.
Mas eu percebi o medo no olhar
encarando-me pela última vez.
Tentei argumentar em vão,
consolou-me saber que pêlos
crescem mesmo após a morte.
Eu
podia ouvir seu pensamento:
serei eu descoberto mais velho
mais calmo, triste e magro
de olhos tão vazios
e
lábio amargo?
Outro nano segundo se passara
nós dois sabíamos que
eram palavras temidas
de um outro retrato.
2
segundos,
fez a barba.
O
terno que vestia certamente pesava,
conheceram-no por quem não
era:
não desmentiu e não
se perdeu.
Em 2 segundos tirou a máscara,
colada à cara ela não era eu.
Uma
mudança simples, certa e fácil.
Quando ele saiu do banheiro,
hesitei seguir mas resoluto fomos juntos,
Cecilia, Pessoa e eu.
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Baltazar Gonçalves